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Muitas pessoas morrem todos os anos a espera de um transplante. Apesar dos avanços na área médica, dos esforços das equipes para identificar um doador e obter a autorização das famílias, ainda hoje, apenas no Brasil, existem mais de 33 mil pessoas que lutam pela vida e estão na fila de espera para realizar um transplante de órgão.
As listas de espera para receber um transplante são longas. Às vezes, o doador pode ser um voluntário vivo. Porém, na maioria dos casos, é uma vítima de acidente, teve um ataque cardíaco ou evento repentino que acabou com a vida de um indivíduo saudável.
Existe uma escassez global de órgãos disponíveis para transplantes. Enquanto a lista de espera aumenta a cada dia, o número de doadores permanece praticamente o mesmo. Algumas pessoas aguardam anos na fila, outras infelizmente não sobrevivem à espera.
Parece tema de ficção científica, mas foi somente há alguns anos que o homem conseguiu realizar com sucesso o primeiro transplante de órgão, o que até então parecia impossível.
A ideia do transplante de órgãos é muito antiga, desde aproximadamente 700 a.C, e algumas tentativas em animais já tinham acontecido. Mas o primeiro transplante efetivo só ocorreu em 1954 quando foi realizado o transplante de rim entre irmãos gêmeos idênticos na tentativa de evitar uma rejeição. O maior progresso em transplantes, até hoje, ocorreu com o desenvolvimento dos imunossupressores.
Porém a tecnologia evolui em um ritmo frenético, sobretudo quando falamos em saúde. Agora já é possível imprimir uma série de produtos em três dimensões, o que chamamos de impressão 3D, desde objetos mais simples até algo extremamente complexo, como um brinquedo ou mesmo alimentos.
A impressão em 3D na área da saúde, começou a ser usada para a produção de próteses de reconstrução óssea na década de 80. Hoje, é possível a fabricação de tecidos da pele e cartilagens. Alguns órgãos também começaram a ser impressos, mas por enquanto apenas como protótipos para auxiliar nas cirurgias.
Diversos especialistas estão trabalhando para aprimorar essa tecnologia e poder imprimir órgãos em 3D que sejam funcionais e sob medida para cada um dos pacientes. Isso mudaria completamente o cenário dos transplantes no mundo, salvando milhares de vidas.
A BBC publicou uma matéria neste mês de novembro sobre Erik Gatenholm e sua empresa Cellink, atuante no mercado de bioimpressão.
A Cellink comercializa a tinta biológica, líquido ao qual as células humanas são misturadas e então impressas em três dimensões, empregada especialmente para realizar a bioimpressão. Seu uso é direcionado para a produção de cartilagens e pele com células humanas.
Em cerca de 30 minutos a agulha da impressora rabisca uma placa de Petri com tinta biológica azul, é possível então ver uma orelha ou um nariz surgindo. Pesquisadores do Instituto Federal de Tecnologia de Zurique, na Suíça, utilizam a técnica de bioimpressão para imprimir a cartilagem criada a partir de uma cultura do próprio material genético do paciente.
Em comparação com a impressão não biológica, a bioimpressão em 3D envolve complexidades adicionais, como a escolha de materiais, tipos de células, fatores de crescimento e diferenciação, além de desafios técnicos relacionados à sensibilidade das células vivas e à construção de tecidos.
Um grande desafio na engenharia de tecidos e pesquisa de células-tronco tem sido imitar o micro e macro ambiente de tecidos humanos, controlando as características dos tecidos manipulados.
Apesar de estar apenas nos primeiros passos, Gatenholm acredita que em aproximadamente 20 anos será possível produzir órgãos humanos para transplante.
Isso pode significar o fim das enormes filas de esperas para receber um órgão. Se um paciente aguarda por um coração é só imprimir um novo, considerando ainda uma rejeição menor, já que as células seriam do próprio paciente.
Gatenholm teve seu primeiro contato com as impressoras biológicas em 3D através de seu pai Paul Gatenholm, professor de química e tecnologia de biopolímeros na Universidade Chalmers de Gotemburgo.
Ele ficou fascinado e percebeu que havia uma lacuna no mercado, já que as biotintas eram produzidas apenas nas empresas farmacêuticas ou universidades pelos pesquisadores e não estava disponível para compra.
Desenvolveu então a primeira empresa do mundo a vender biotintas padronizadas na internet, adequadas para se misturar a qualquer tipo de célula, e também impressoras em 3D.
Atualmente, a aplicação tecnologia de impressão 3D é voltada para a fabricação de tecidos da pele e cartilagens, usados para testar novos medicamentos e cosméticos.
Entretanto, além de grandes instituições acadêmicas como a Universidade de Harvard, e a University College London que usam o produto, as farmacêuticas também têm se interessado, visto como uma alternativa para testes de medicamentos que hoje são feitos em animais.
Mas as ambições não param por aí. Gatenholm está fazendo parcerias com instituições médicas relevantes para desenvolver novos produtos e alcançar seu objetivo de um dia aumentar o número de órgãos para a realização de transplantes.
Em 2016, um estudo publicado na revista Nature revelou que pesquisadores norte-americanos conseguiram implantar tecidos impressos em 3D em animais. Os cientistas imprimiram estruturas cartilaginosas, ósseas e musculares e as transplantaram nos roedores. Essas células desenvolveram um sistema de vasos sanguíneos e se transformaram em tecidos.
O dispositivo usado para criar esses tecidos é chamado de Sistema Integrado de Impressão de Tecido e Órgão. Ele usa tanto materiais plásticos quanto biodegradáveis para projetar a forma do órgão desejado.
Enquanto isso, a empresa Organovo já oferece tecido renal e hepático para rastrear potenciais medicamentos. Além de reduzir o número de testes em animais, pode aumentar a eficácia e confiabilidade dos resultados, uma vez que o tecido é humano.
Anunciou ainda que havia transplantado tecidos de fígado impressos a partir de células humanas em camundongos. Segundo a empresa, os tecidos poderão servir para o tratamento de insuficiência hepática crônica, dentro de três a cinco anos.
A versatilidade da aplicação da impressão em 3D é enorme. Ter a possibilidade de, num futuro tão próximo, criar órgãos a partir do zero para salvar vidas parece um sonho. Mas apesar dos avanços na tecnologia, muitas questões éticas ainda precisam ser enfrentadas até se chegar a esta etapa.
* Com informações de BBC e Revista Exame.