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Quando os Neandertais e outros humanos pré-históricos foram extintos, cerca de 30 mil anos atrás, eles não desapareceram completamente. Uma pequena parte deles ainda vive em nós.
Cientistas revelaram que a cópula entre nossos ancestrais e os neandertais (e possivelmente com um grupo relacionado aos denisovanos) deixaram em muitos de nós, traços de seu DNA em nossos genomas. Por muito tempo, o impacto evolutivo dessa troca genética não ficou muito claro. Mas, uma equipe de cientistas liderada por Peter Parham, professor de biologia estrutural e de microbiologia e imunologia, mostrou que essas trocas genéticas fortaleceram significativamente o sistema imunológico humano moderno.
Parham há muito tempo suspeitava que alguns genes imunes poderiam ter uma origem antiga. Ele estuda os genes do antígeno leucocitário humano (HLA) de Classe I (HLA-A, HLA-B e HLA-C), que são conhecidos por seu papel na rejeição de transplantes e por sua incrível diversidade. Cada gene HLA tem centenas de versões chamadas de alelos; duas pessoas não aparentadas raramente terão exatamente o mesmo conjunto. Essa diversidade é uma rede de segurança contra a extinção, porque as proteínas HLA variam em sua capacidade de combater diferentes patógenos. Por exemplo, algumas pessoas que carregam um alelo HLA-B*57 podem manter uma infecção pelo HIV sob controle sem drogas. «Isso nos diz que mesmo sem a medicina moderna, alguém sobreviveria. Seria uma grande seleção, mas alguém sobreviveria«, diz Parham.
Em 1993, enquanto sequenciava genes HLA, Parham encontrou uma misteriosa variante: HLA-B*73. «Ele se destacou como uma pancada no polegar«, diz. Ao contrário de outros alelos HLA, o HLA-B*73 é semelhante a genes encontrados em chimpanzés e gorilas, sugerindo que esse gene tenha pelo menos 16 milhões de anos. E surpreendentemente havia pouca diversidade em pessoas. Era como se um gene antigo tivesse sido lançado recentemente no “pool” genético humano. A explicação mais provável é que humanos modernos herdaram o gene de relações esporádicas entre o Homo sapiens e uma subespécie relacionada. Não há provas dessa teoria, no entanto, conflitava com o pensamento dominante da época – o fato de nossos ancestrais terem sidos substituído, mas nunca se acasalado com humanos arcaicos.
Avanços tecnológicos permitiram aos cientistas sequenciar o genoma de três mulheres neandertais que viveram na Croácia há mais de 40 mil anos. Eles descobriram que os europeus e asiáticos, e não os africanos, têm de 1 a 4% de traços neandertais na sua herança genética. Assim, os humanos modernos provavelmente se originaram dos neandertais quando migraram da África a 50.000 / 80.000 anos atrás. «Não foi uma mistura massiva, mas ocorreram em certos momentos«, diz Parham. Mas não é surpreendente que isso tenha ocorrido, acrescenta. «Todos os dados que você obtém da população humana moderna está relacionada a junção de populações relacionadas, e se há compatibilidade física, elas acasalaram.«
O sequenciamento do genoma de um Denisovan foi outro grande salto para os cientistas. Os denisovanos são relacionados, mas distintos, dos neandertais. Eles só foram descobertos em 2008, quando arqueólogos desenterraram o dedo mindinho e o dente de uma menina na caverna Denisova, na Sibéria. A evidência genética apontou novamente para a mistura pré-histórica com humanos modernos – certas populações em Papua Nova Guiné possuem 4 a 6% de sua linhagem heranças dos Denisovans.
E mais surpreendente ainda, a maioria dos alelos de Neandertais e Denisovan eram idênticos aos alelos encontrados em humanos hoje. «Quando comecei a olhar, estava bem claro que estávamos encontrando alelos que são encontrados em humanos modernos. E foi aí que percebemos que era mais do que apenas B* 73«, diz Abi-Rached pesquisador da equipe.
“A frequência nas populações modernas foi particularmente surpreendente”, diz a Abi-Rached. Por exemplo, 50 a 60 % dos alelos HLA-A encontrados em algumas populações na China e Papua Nova Guiné são HLA-A*11, um alelo dos neandertais. No total, a equipe de Parham estimou que 50% dos alelos HLA-A encontrados em europeus, até 80% nos asiáticos e até 95% em Papua Nova Guiné têm uma origem arcaica.
«Isso demonstra que genes possivelmente herdados de humanos arcaicos têm sido dominantes e se espalharam por toda a população humana«, comenta o especialista em imunologia John Trowsdale, professor de patologia da Universidade de Cambridge. «A prova direta da causa é extremamente difícil, porque você está apenas olhando para quatro indivíduos [arcaicos]. Mas eu acho que essas são hipóteses interessantes e atrativas no momento, e elas se encaixam nas informações que temos.» Complementa Trowsdale.
“Os alelos podem ter proporcionado vantagens de sobrevivência. Quando os humanos modernos migraram para fora da África, enfrentaram um grave gargalo genético, à medida que pequenos grupos semearam novas populações na Europa e na Ásia. O cruzamento ajudou a restaurar a diversidade de HLA”, diz a Abi-Rached. Os neandertais e os denisovanos deixaram a África 200.000 anos antes que os humanos modernos o fizessem, de modo que seus genes imunológicos também tiveram que se adaptar aos patógenos locais. «Obviamente, os humanos modernos poderiam ter se adaptado com o tempo«, diz Abi-Rached. «Mas se eles adquirem os alelos pré-formados, é um atalho«.
“Muitas das proteínas HLA arcaicas também têm propriedades únicas que podem ter conferido benefícios evolutivos”, diz a Abi-Rached. Por exemplo, muitos se ligam fortemente as células exterminadoras naturais ou células NK (do inglês Natural Killer Cell). Células exterminadoras naturais são importantes para a imunidade inata – a primeira defesa do corpo contra a infecção. Mas também têm funções essenciais não imunes no corpo; por exemplo, na parte da reprodução.
“As proteínas neandertais (ou denisovanas) continuam a viver e a funcionar dentro de nós, e isso também pode ter um lado negativo”, observa Parham. Neandertais evoluíram separadamente de nós por algumas centenas de milhares de anos, por isso suas proteínas podem ser um pouco incompatíveis com o nosso sistema imunológico e poderiam desempenhar um papel no desenvolvimento das doenças autoimunes. A autoimunidade é mal compreendida, mas sabe-se que está relacionada com alguns tipos de HLA. «Isso tudo é apenas especulação. Mas ficamos separados por todo esse tempo, então seria muito surpreendente se não houvessem diferenças«, diz Parham. «Isso resolveria um enigma de longa data.«
Texto original em inglês, por Kristin Sainani
https://alumni-esc.stanford.edu/get/page/magazine/article/?article_id=45309