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Todos os seres têm uma identidade e a consciência do seu “eu” – e essa particularidade também ocorre no contexto celular de nosso organismo. Essa “consciência” celular acontece por causa dos genes do complexo do Antígeno Leucocitário Humano (HLA – Human Leukocyte Antigen). Esses genes são a razão, por exemplo, do porquê órgãos transplantados são rejeitados a menos que sejam feitos esforços para combinar os tipos de HLA entre doador e o receptor.
Os genes HLA possuem uma variedade incrível entre indivíduos e marcam de forma única cada célula de nosso organismo, definindo precisamente quem e o que somos biologicamente.
Pesquisador da Monash University e médico da Monash Health, o professor Richard Kitching, explica que, normalmente, o sistema imunológico é treinado para não atacar as células próprias. Ocasionalmente, essa “tolerância” imunológica falha e o resultado é uma doença autoimune dolorosa, onde o sistema imunológico passa a atacar e danificar o tecido saudável, resultando numa mudança de vida extrema.
O que vem confundindo os imunologistas, diz ele, é que certas variantes do gene HLA aumentam drasticamente o risco de se desenvolver uma doença autoimune, enquanto outras variantes do HLA fornecem níveis impressionantes de proteção.
O professor Kitching explica o efeito do HLA em relação à suscetibilidade na Síndrome de Goodpasture – usada como modelo de pesquisa – onde o sistema imunológico do paciente prejudica a função renal e pulmonar.
No entanto, o importante, é que os processos desenvolvidos durante a pesquisa possibilitaram o desenvolvimento de melhores terapias celulares contra doenças renais imunológicas. As descobertas também podem ser testadas em outras doenças autoimunes, incluindo diabetes tipo 1, artrite reumatoide, doença de Crohn e esclerose múltipla, diz ele.
Existem diferentes classes de HLA que analisam materiais suspeitos que podem se originar de dentro ou de fora das nossas células. A Classe I é representada por todas as células do nosso corpo e encarrega-se do material potencialmente perigoso proveniente de dentro das células, por exemplo, o câncer. Esses HLAs interagem com células imunológicas especializadas (células T citotóxicas) que podem matar células cancerígenas ou infectadas por vírus.
Já a Classe II lida com material que se origina fora de nossas células, como fragmentos de uma infecção bacteriana. Estes HLAs são geralmente expressos apenas nas células dendríticas e interagem com um subgrupo diferente de células imunes. Essas células, conhecidas como linfócito T auxiliar, são responsáveis pela direção da resposta imune, instruindo o sistema imunológico a produzir anticorpos protetores ou prejudiciais.
O que ocorre na Síndrome de Goodpasture, é o contato entre os linfócitos T auxiliares e um fragmento de proteínas de colágeno provenientes de membranas basais especializadas (um tecido que fornece uma estrutura de suporte aos rins e pulmões). Esse contato resulta na produção de autoanticorpos que atacam as membranas basais saudáveis. Deixada sem tratamento, a doença causa insuficiência renal.
O professor Kitching explica que a Síndrome de Goodpasture é raramente encontrada em pessoas cujas células usam uma das variantes da família de genes HLA Classe II conhecida como “DR1”. Em contraste, o risco da doença aumenta em até 16 vezes nas pessoas cujas células dependem da variante DR15.
Até recentemente, não havia nenhum mecanismo conhecido para explicar essas diferenças mediadas por HLA no risco de doença.
No Centro Monash para Doenças Inflamatórias, o Professor Kitching e sua equipe se juntaram ao Professor Jamie Rossjohn e seus colegas, no Instituto Monash de Descoberta da Biomedicina. Juntos, eles usaram técnicas de imagem molecular para comparar a estrutura molecular do HLA DR1 e DR15. Eles descobriram que 13 diferenças na sequência dessas moléculas HLA mudam a forma como os fragmentos de colágeno indutores da doença se ligam ao DR15 e ao DR1.
Em um estudo experimental, as duas moléculas de colágeno HLA de conformações diferentes foram usadas como isca para capturar, identificar e comparar as células T que se encaixam nas conformações de DR1 e DR15.
“Descobrimos que o mesmo fragmento de colágeno pode ativar diferentes respostas imunológicas”, diz o professor Kitching sobre a pesquisa recentemente publicada na revista Nature. “Na conformação do DR15, a interação é com células T auxiliares e pode resultar na produção de autoanticorpos (que atuam contra o próprio indivíduo). No entanto, na conformação de DR1, a célula imunológica ativada é chamada de célula T reguladora”.
Células T reguladoras são raras. Ao contrário da maioria das outras células T que são programadas para atacar ameaças, as células T reguladoras fazem o oposto – elas anulam a resposta imune.
É por isso que as células T reguladoras são particularmente boas para diminuir o risco de autoimunidade, diz o professor Kitching. “Acredito que a terapia celular baseada na nova capacidade de selecionar células T reguladoras específicas é o caminho para ajudar os pacientes, e é algo que podemos seguir aqui na Monash”.
“Com isso, a Monash oferece um poderoso recurso que permitirá a pesquisa e o desenvolvimento de novas terapêuticas”, diz o professor Kitching. “Conseguimos desenvolver meios para detectar e isolar as células T reguladoras supressoras da autoimunidade, e podemos testar sua capacidade de suprimir e proteger contra doenças autoimunes”.
Texto original em inglês, por Richard Kitching